Articulação Semiárido Brasileiro: 15 anos de pequenas ações e grandes conquistas!


Monyse Ravena
Asacom

 
“Somos uma rede imbuídos da lógica da solidariedade do trabalho coletivo, das trocas de conhecimento, da construção de unidade dentro da diversidade, do respeito às culturas e aos diversos biomas do Semiárido, do saber partilhado”, assim Valquíria Lima, da coordenação executiva da ASA pelo estado de Minas Gerais, define a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), que completa hoje (26/11), 15 anos de uma rica trajetória na luta por um Semiárido mais justo e bom de se viver. 
Uma caminhada que não começou em 1999, mas que atravessou e rompeu com uma história de séculos de exploração e negação de direitos. A história das secas no Semiárido brasileiro é tema constante nos relatos produzidos sobre a região desde o século XVI por pesquisadores/as e historiadores/as. Como consequências desse quadro de estiagem, quase constante, a região era, frequentemente, assolada pela migração desenfreada, doenças epidêmicas, fome, sede, miséria. 
Somente no século XX, o Estado brasileiro, começa a ter uma presença mais constante no campo e na região semiárida, em particular. Em 1909, foi criada a Inspetoria de Obras contra a Seca (IOS), que em 1945 passou a se chamar Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Desde esse período, a concepção do “combate à seca” regeu a ação governamental, deixando claro quais eram os objetivos e os meios utilizados na implementação das políticas voltadas à região: a seca deveria ser combatida por meio de grandes obras hídricas, em especial, a construção de açudes, feitas, praticamente, sem estudos prévios das áreas e usados como moeda de troca entre os governos da época e os coronéis do sertão.
Em 1959, é criada a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), um órgão que atuava na perspectiva da promoção do desenvolvimento regional. Ela foi palco de uma das mais fortes manifestações do povo do Semiárido em sua luta por justiça e direitos: sua sede, na cidade do Recife, foi ocupada em 1993 por trabalhadores e trabalhadoras rurais que atravessavam mais um cruel ciclo de seca, sem que o Estado brasileiro propusesse as políticas necessárias. A ocupação da Sudene foi um dos grandes marcos históricos das lutas dos povos do Semiárido.
No dia 26 de novembro de 1999, a cidade do Recife sediou a 3º Sessão da Conferência das Partes das Nações Unidas da Convenção de Combate à Desertificação (COP3). Na ocasião, a sociedade civil se reuniu em um Fórum paralelo à Conferência. A ASA surge, oficialmente, nesse Fórum e lança o documento chamado “Declaração do Semiárido”. 
 
De acordo com Roberto Malvezzi (Gogó), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o nascimento da ASA encontrou uma conjuntura favorável no Brasil, pois não se vivia mais sob a égide da ditadura militar e a sociedade civil buscava incessantemente alternativas para acabar com a fome, sede e miséria no sertão. “A grande diferença é a social. O povo do Semiárido estava totalmente entregue às fatalidades do clima. Ninguém apresentava uma esperança, uma solução. Foi a sociedade civil organizada na ASA que tomou a iniciativa de propor a "convivência com o Semiárido". O resultado nós já sabemos. De forma dispersa, já tínhamos muitas iniciativas, inclusive a de captação da água de chuva para beber. Também já tínhamos ensaios de agroecologia, da criação de animais adaptados, sem falar na antiga luta pela terra. Mas tudo se ampliou, ganhou novos focos a partir da lógica explícita da convivência. Melhor, ganhou escala. Sozinhos fazíamos boas experiências localizadas, juntos temos propostas para toda região Semiárida”, afirma.
Após a COP3, a ASA, representada por grupo de organizações em diálogo com debates e propostas vindos dos estados, formulou a proposta do Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: Um Milhão de Cisternas (P1MC), com metas, números, abrangência e forma de execução.
O I e o II Encontro Nacional da ASA (EnconASA) que aconteceram nos anos 2000 e 2001, ambos em Igarassu, Pernambuco tiveram o papel de discutir a forma de organização da ASA e a estruturação do P1MC. A partir de 2003, o Programa ganhou escala e desde então o número de cisternas passou a se multiplicar e transformar a paisagem do Semiárido. Hoje, já são mais de 800 mil cisternas de placa.
Decanor Nunes, que integra a coordenação estadual da ASA Minas Gerais, participou do III EnconASA, em São Luís, no Maranhão. Avaliando a trajetória da ASA nesses 15 anos ele afirma que a presença da ASA no Semiárido oportunizou a todo o povo da região a capacidade de exercer seu protagonismo e a lutar pelo direito à água, a terra e as políticas públicas. “A ASA nos trouxe a oportunidade de perceber que pequenas ações, nos despertam para lutas maiores. A ASA não quer discutir apenas tecnologias, não quer que apenas as cisternas encham, por isso, a comunicação que a ASA faz é tão importante. Ela faz com que as pessoas se organizem, se emancipem. É importante essa comunicação que não se importa só com o  produto, mas que privilegia o trabalho em rede.”, afirma Decanor.
Em 2003, a cidade de Campina Grande acolhe o IV EnconASA que teve como tema “Agricultura Familiar: Construindo a Segurança Alimentar no Semiárido Brasileiro”. Esse é o primeiro Encontro Nacional que conta com a participação de agricultores e agricultoras e também com as visitas de intercâmbio dentro da programação, uma metodologia que estimula a troca de conhecimentos e o saber popular. “Nesse encontro nós demos um salto tanto do ponto de vista da formação interna quanto na visibilidade e no diálogo com a sociedade. Esse foi um EnconASA de discussões estratégicas”, afirma Antônio Carlos de Melo, do Programa de Aplicação de Tecnologia Apropriada às Comunidades (Patac), entidade que integra a ASA Paraíba. 
“Reforma Agrária: Democratizando a Terra e à Água no Semiárido Brasileiro”, foi o tema do V EnconASA, que aconteceu em Teresina, no Piauí, em 2004.  O Cariri cearense acolhe a VI edição do Encontro Nacional que, em 2006, já contava com 600 participantes. Em 2007, a ASA dá início a execução do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), voltado para implementação de tecnologias de produção de alimentos de base agroecológica, conhecidas também como segunda água ou água para produção. Atualmente, o P1+2 já implementou cerca de 70 mil tecnologias. Junto com o P1+2 é instituída a rede de comunicadores e comunicadoras populares e se materializa a proposta de sistematizar as histórias de vida das famílias da região, contadas a partir do boletim Candeeiro. 
VIII EnconASA aconteceu em Minas Gerais | Foto: Josy Manhães
Em 2009, na comemoração dos 10 anos da Articulação, Juazeiro da Bahia sedia o VII EnconASA. Já em 2012 o Encontro chega as terras mineiras com o tema “Convivência com o Semiárido Brasileiro – trajetórias de luta e resistência para superação da pobreza e construção da cidadania” e teve um papel importante na redefinição de estratégias no campo político e de proposição de novas ações. O próximo EnconASA será realizado em 2015, em Mossoró, no Rio Grande do Norte, com o tema “ASA 15 anos: Ampliando a Resistência, Fortalecendo a Convivência”. 
Hoje, a ASA é uma rede que congrega cerca de 3000 organizações em 10 estados brasileiros e está presente em mais de 1000 municípios. E atua em parceria com o Governo Federal, governos estaduais e com outras organizações, redes e movimentos sociais. Está presente, como organização da sociedade civil no Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), no Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), entre outros.
Entre o caminho já percorrido e os sonhos e expectativas vindouros, A ASA contribuiu para a mudança na vida de milhares de famílias do Semiárido e para a mudança de compreensão sobre o que é essa região do Brasil. A ASA fez história, no melhor dos sentidos. “Houve uma mudança de concepção em relação ao Semiárido que nós operamos nesses 15 anos. Não se fala mais do Semiárido coitadinho, do Semiárido miserável. Hoje já se fala no Semiárido que é espaço de acolhimento e vida digna para as pessoas e quem colocou essa semente, regou essa semente e brigou por ela fomos nós da ASA”, avalia Naidison Baptista de Quintella, coordenador executivo da ASA pelo estado da Bahia.
Que venham mais 15, 20, 30, 100 anos de conquistas e de caminhar junto com os homens e mulheres que formam a Rede ASA. “Somos uma Rede. Uma Rede de gente, de povo, de cultura, de sonhos, lutas e de esperanças. Rede porque nos entrelaçamos. Povo e gente porque somos desse chão, dessa terra, desses sertões. Somos uma rede porque temos um projeto político para o Semiárido Brasileiro”, conclui Valquíria Lima.

Notícias do Semiárido Nordestino,Seridó da Paraíba e Rio Grande do Norte.

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