Em contexto adverso, sociedade civil e governo federal constroem II Plano Nacional da Agroecologia


Representantes da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), ministérios e órgãos do governo federal estão reunidos no Seminário Dialoga Brasil Agroecológico (clique aqui para conferir a programação), em Brasília (DF), para discutir uma proposta conjunta para o II Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, a ser executado entre 2016 e 2019.

A abertura do Seminário, organizado pela Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), um fórum com participação paritária da sociedade civil e governo federal, foi à noite com a presença dos ministros Patrus Ananias, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), e Miguel Rossetto, da Secretaria Geral da Presidência.

Na ocasião, a presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Maria Emília Pacheco, falou da importância de trabalhar a convivência com o Semiárido para a segurança alimentar e se apresentou como portadora da carta aberta “Por um Semiárido vivo com direito à água e Soberania Alimentar”, assinada por artistas, políticos, militantes sociais, lideranças sindicais e religiosos. A carta faz um apelo ao Executivo nacional para que o ajuste fiscal não paralise “as ações que vêm mudando radicalmente a paisagem e as faces do Semiárido para melhor e que garantem vida digna ao seu povo.”

"Conseguimos trazer para o PPA um eixo estratégico que une agroecologia, segurança alimentar e economia solidária", conta Verônica Santana do MMTR | Foto: Divulgação
A construção do II Plano Nacional de Agroecologia acontece num momento de anúncio de cortes de orçamento público federal, reforma ministerial e retrocessos de direitos garantidos na Legislação Federal aprovados pelo Congresso Nacional. Todos esses elementos apontam para um cenário pouco propício para avanços concretos na execução da Política Nacional de Agroecologia. “Com o corte de 60% no orçamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário, principal ministério que dialogamos sobre as políticas para agricultura de base familiar, ficamos muito preocupados”, comenta Verônica Santana, secretária executiva do Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR-NE).

Apesar desta apreensão, o movimento agroecológico se articulou para incidir também na construção no Plano Plurianual do Governo Federal, o qual provisiona os recursos para as ações ministeriais dos próximos três anos (2016 a 2018). “Nós conseguimos trazer para o PPA um eixo estratégico que une agroecologia, segurança alimentar e economia solidária. O eixo estratégico perpassa a ação de vários ministérios”, conta Verônica, que representa as mulheres agricultoras na CNAPO e é membro da Mesa Coordenadora desta Comissão. No mês passado, o movimento sindical rural promoveu a V Marcha das Margaridas que levou às ruas de Brasília mais de 70 mil mulheres e foi considerada a maior manifestação do Brasil. Na pauta da Marcha, entregue à presidenta Dilma Rousseff, reivindicações para o fortalecimento da agroecologia.

Para Denis Monteiro, secretário executivo da ANA e também membro da Mesa Coordenadora da CNAPO, o contexto de corte de recursos públicos para os programas sociais é um risco que existe de fato. “O nosso papel é cobrar do governo e dialogar com a sociedade sobre a importância destes programas e políticas para a sociedade como um todo. Quando se garante água de qualidade no Semiárido para os agricultores, é um investimento público que tem uma repercussão positiva para toda a sociedade. Você garante produção de alimento de qualidade, você oferta uma maior quantidade de alimentos nos municípios, nas regiões. Então o governo não pode cortar orçamento deste tipo de programa.”

"Temos condições de avançar, apesar do contexto adverso", avalia Denis Monteiro, secretário executivo da ANA
Denis também percebe o II Plano de Agroecologia como uma iniciativa que leva o Estado a dois movimentos: enfrentar os retrocessos do Congresso Nacional quanto à garantia de direitos previstos na Constituição Federal - a exemplo do uso descontrolado de agrotóxico nas lavouras - e atender as necessidades da sociedade quanto à alimentação saudável, conservação das águas para enfrentar a crise hídrica e a criação de ações efetivas para reduzir o uso de agrotóxicos. “Temos condições de avançar, apesar do contexto adverso. O nosso papel enquanto ANA é propor e cobrar do Estado a efetivação destas propostas. É com esse espírito que estamos indo para este Seminário.”

Proposta da sociedade civil – No dia 10 de agosto passado, a ANA entregou ao Governo Federal uma proposta de Plano construída de forma coletiva por mais de 300 pessoas, através de cinco seminários regionais e um nacional. Essa versão foi encaminhada para a Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (CIAPO), composta por gestores de 10 ministérios e autarquias federais. No último dia 4, a CIAPO deveria ter devolvido a proposta da ANA com observações deles à luz do Plano Plurianual. A versão com as considerações governamentais não foi entregue aos representantes da ANA com antecedência para discussão no seminário que se estende até sexta-feira (18).

Na proposta da ANA, foi dado ênfase a iniciativas que visibilizam o papel da mulher na agricultura agroecológica | Foto: Arquivo Asacom
Na proposta apresentada pela sociedade civil, foram dadas ênfases às questões estruturantes para o avanço da agroecologia como o acesso a terra e ao território dos povos e comunidades tradicionais e previstas iniciativas que visibilizem o papel da mulher e do jovem na agricultura agroecológica, como a criação de tipos diferenciados de créditos direcionados às mulheres. “As políticas públicas precisam atender às diversas necessidades das mulheres tanto no que se refere às características regionais, quanto à fase em que a propriedade se encontra na transição agroecológica”, destaca Verônica.

Na versão do II Plano de Agroecologia proposto pela ANA, também é sugerida a criação e implementação do Programa Nacional de Sociobiodiversidade e da Política Nacional de Plantas Medicinais. Assim como são defendidos direitos sociais e ambientais postos em ameaça pelo Congresso Federal, que tem sido um território de vitórias do agronegócio com a aprovação de projetos de lei que põem em xeque medidas de proteção à saúde da população brasileira e à biodiversidade nacional.

Só para exemplificar, lembramos a aprovação no Congresso Federal e no Senado, este ano, de um projeto de lei que desobriga os fabricantes de informar aos consumidores quando há ingredientes transgênicos e, portanto, produzidos com o uso de agrotóxicos em grande escala. Com a queda da rotulagem dos transgênicos é negado o direito à informação à sociedade brasileira, vítima cada vez mais de doenças graves provocadas pela alta ingestão de agrotóxicos, como o câncer e depressão.

Agroecologia no Semiárido – A prática da agroecologia pelas famílias agricultoras, povos e comunidades tradicionais na região semiárida brasileira tem promovido a proposição e execução de políticas públicas através do diálogo entre sociedade civil e governo federal. Um exemplo disto é o novo Programa Sementes do Semiárido, que apoiará 640 casas ou bancos de sementes comunitários, envolvendo 12.800 famílias agricultoras da região.

O apoio às casas de sementes se dá através da construção do espaço físico e aquisição de equipamentos ou só através deste último, além da doação de recursos para aquisição de sementes crioulas.  As casas de sementes estruturam e fortalecem a ação de famílias agricultoras, povos e comunidades tradicionais, que salvaguardam o rico patrimônio genético alimentar do povo brasileiro.

Na zona rural de Cumaru, município do Agreste pernambucano, a família de Elias e Josefa Andrade Nóbrega, que mora na comunidade Sítio Gavião de Cima, tinha perdido algumas sementes que os pais e avôs costumavam plantar, como a do milho branco e os feijões olho de pombo e costela de vaca. Através da organização Centro Sabiá que atua na região e integra a ASA Pernambuco, Elias e Zefinha, como é conhecida, foram cadastrados na casa de semente comunitária que será construída com recursos do Programa de Sementes.

Dona zefinha doou garrafas pet com feijão Sempre Verde para a formação do estoque de sementes da nova casa | Foto: Verônica Pragana/Arquivo Asacom
“Depois que fizemos a cisterna-calçadão, nos convidaram para fazer parte do banco de sementes e achei interessante. Tem feijão que nem conhecia, como o feijão manteiga, que é amarelinho. Plantei [o feijão manteiga] pra reprodução da semente na horta candeeiro, que não precisa por água todo dia”, conta dona Zefinha, que já deu sua parcela de contribuição para a formação do estoque de sementes da nova casa: doou várias garrafas pet com sementes de feijão Sempre Verde.

Para Denis, da ANA, “o Programa Sementes é uma das principais conquistas do Plano de Agroecologia e que a gente propõe que seja ampliado, com mais recursos públicos, maior abrangência social, significa um envolvimento de um conjunto mais amplo de organizações. No Semiárido, houve essa iniciativa e nos outros biomas?”

A trajetória da rede ASA é uma das que serão apresentadas amanhã, segundo dia do Seminário, na mesa “Apresentação de Experiências Agroecológicas apoiadas pelo Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica”. Segundo Marilene Alves, da ASA Minas Gerais, a exposição abordará três dimensões presentes na relação da ASA com a agroecologia.

Uma dimensão é a prática da agroecologia no Semiárido. “Vamos apresentar como fazer agroecologia com pouca água.” A segunda dimensão é a da agroecologia como ciência. “A ASA valoriza esse conhecimento e favorece o encontro com o saber tradicional das famílias agricultoras.” A terceira dimensão é da agroecologia como movimento. “A nossa prática está muito associada à construção de redes e de espaços coletivos, como a Articulação Nacional de Agroecologia, que fazemos parte, a rede Ater Nordeste, as próprias ASAs estaduais...”

Políticas públicas de convivência com o Semiárido - Atualmente, a região semiárida vivencia a pior seca dos últimos 60 anos, segundo anuncia a carta aberta em prol da manutenção das políticas de convivência com o Semiárido. Essa longa e marcante estiagem não provoca o estado de calamidade das secas anteriores por um conjunto de políticas públicas que foram direcionadas para o Semiárido nos últimos 12 anos.

Olhando para a história das famílias do Semiárido, é possível perceber a mudança em curso na vida dessas pessoas e também no âmbito das comunidades e territórios rurais. “De 2003 até hoje, as políticas públicas se tornaram muito presentes, proporcionando um ambiente de transformação social”, reflete Luciano Marçal, da organização AS-PTA com atuação na Paraíba e também integrante da ASA, depois de fazer um exercício de olhar para a linha do tempo de várias famílias do agreste pernambucano como a de Elias e Josefa.

Entre as políticas em ação no Semiárido, ele destaca iniciativas de acesso a conhecimentos – uma diretriz metodológica da agricultura de base agroecológica - como os intercâmbios entre agricultores e agricultoras realizados nos programas da ASA. “Os intercâmbios impulsionam novos processos de inovações”, ressalta Luciano, um dos representantes da sociedade civil no Seminário para construção do II Planapo.

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